terça-feira, 19 de outubro de 2010

Máscaras

Por Kelly Cristina

As máscaras talvez sejam os acessórios mais utilizados. Elas são vistas nos bailes, nas festas, nos carnavais, nas novelas, nas artes, na VIDA... Elas servem como disfarce, como identificação, como reveladora do que quer ficar escondido, ela transfigura, ela embeleza... Simples adereço?

Às vezes, elas deixam de ser um simples adereço e se tornam um acessório de caráter enganoso. Acessório somente enganoso?

Humm... sei não! Adoro a trilogia do homem aranha e lembrei agora que quando ele coloca a máscara, ela esconde a sua identidade, ao passo que transforma a vida de um fotógrafo comum num herói poderoso e salvador. Contudo, estar consciente das máscaras que usamos é o primeiro passo para o processo de “individuação”. Essa última palavra já faz parte do meu intelecto acadêmico há algum tempo, mas penso estar experimentando o seu significado agora. Não me julgo mais, precisei fazer uso de diversas personas, talvez já cristalizadas na minha personalidade. Elas foram necessárias e me serviram como uma ótima estrutura de defesa. Agora, sinto necessidade de diluir algumas coisas, não que me considere hipócrita, mas não quero mais preterir o caminho do autoconhecimento. Sinto que ele me chama imperativamente a todo tempo. “Fiz de mim o que não soube e o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi no espelho, já tinha envelhecido.Estava bêbada e já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.” Esse fragmento é do meu amado poeta, mas sinto como se ele tivesse escrito pra mim, do tanto que consigo me apropriar. Pra mim basta! Agora só desejo refazer o caminho do meu interior, encontrar um sentido pra minha existência, deixar pra trás esses disfarces. Afinal, já os experimentei, alguns até assimilei, outros tô tentando ainda conhecer, pra quem sabe retirar...

Tenho dialogado muito com Riobaldo esses últimos tempos. Mais uma vez ele me coloca do avesso. "A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para de lá de tantos assombros... Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." Pra terminar, quero contar-te que me apaixonei por um cabloco chamado Ojuara, pra quem conhece, ele trocou de nome e conseqüentemente de identidade. Antes, Araújo, nada atraente pra mim, muito “sobrepujado” e “conformado”. Ojuara, não, esse, era audacioso e destemido, à parte outras coisas, o que importa pra mim era a sua incansável caminhada pelo encontro com as terras de São Saruê, “um lugar onde não tem brigas. É cheio de fartura e que a pessoa pode ficar deitada na rede o tempo que quiser, se você tá com sede, você vai no pé de vento e bebe água que nasce em gotas...se tá com fome tem pé de pamonha, tem pé de milho cozido, tem pé de carne-do-sol...e se ainda quiser adocicar a boca vai nas montanhas e dá uma lambidinha que é tudo de rapadura. E na hora de tomar um leitinho vai à beira do rio e bebe. Os rios são de leite!”

Se o “cão miúdo” ainda vai me atrapalhar, isso nunca saberei. Então vou seguir os conselhos de Ojuara, porque “esse mundo não tem reta, é tudo torto”... “Eu vou cair é no oco do mundo”... Até encontrar as terras de São Saruê.



sábado, 9 de outubro de 2010

Educação e mudança: o que nós professores temos a ver com isto?

A maioria dos docentes em exercício nas instituições de educação públicas e privadas, são egressos de universidades públicas, nas quais aparecem, como costumamos acreditar, o foco de resistência à despolitização da educação e ao adestramento dos estudantes, bem como são estas universidades os espaços de efervescência dos discursos sociais com ideais de transformação. Entretanto, os próprios movimentos docentes e discentes, assim como as posturas dos profissionais advindos destas instituições de ensino mostram a escassez de compromisso político e responsabilidade social na vivência da prática educativa. Deste modo, a reflexão sobre estas incoerências torna-se pauta fundamental na formação de novos professores.

A educação figura na Constituição Federal do país como direito de todos e dever do Estado e da família, cabendo ao primeiro criar e manter os meios adequados à garantia deste direito, em todos os níveis, para todos os brasileiros. Deste modo, assim como a saúde, previdência etc., a educação constitui-se um serviço público essencial e basilar para a constituição de uma sociedade democrática. O pleno gozo da cidadania e a inserção no mundo do trabalho são condições imprescindíveis para a consecução da autonomia dos indivíduos e o desenvolvimento do próprio país. Por isso, são estes os principais objetivos da educação, que em vista da sua responsabilidade para o desenvolvimento da cidadania, não pode ficar sujeita à ganância das instituições privadas, precisa corroborar-se como um serviço público gratuito e de qualidade, que cumpra seus propósitos.

A formação profissional dos educadores, oferecida pelas instituições de ensino superior, procura orientar-se pelos princípios acima mencionados. Entretanto, verificamos certa distância entre o conhecimento e os métodos educacionais vigentes na academia e a prática docente na educação básica. Em nossas visitas às escolas verificamos que muitos dos professores mais antigos na carreira ignoraram vários conhecimentos pedagógicos, preferindo manter as formas rotineiras já por eles consagradas. Os novos profissionais, por sua vez, não se mostram tão comprometidos com a coerência entre a sua formação e o seu trabalho de educador. Muitos destes utilizam-se da educação como “bico”, na expectativa de migrarem para outras carreiras mais rendosas.

O discurso da corrupção generalizada permeia diversos setores sociais brasileiros há séculos. Com o crescimento vigoroso do individualismo, este discurso ganha ainda mais espaço. A apropriação desta fala é uma legitimação da desobrigação de qualquer compromisso político. As pessoas buscam, sobretudo, alcançarem uma boa colocação econômica, e a educação serve-lhes tão somente como instrumento para este objetivo. Assim, as preocupações coletivas e com a vida política estão desacreditadas e marginalizadas. Em meio ao caos nos refugiamos na nossa “incapacidade” de ação e, assim, nos omitimos. Penso que a biografia e o lugar social do educador constituem-se em fatores significativos para a sua atuação engajada ou não. Pesquisadores têm se debruçando sobre perfis profissionais e trajetórias de vida de professores, buscando analisar os nexos que os articulam.

A formação conquistada numa universidade pública, patrocinada pelos impostos dos contribuintes, coloca diante de nós a responsabilidade de oferecer uma resposta à sociedade, contribuindo para formação de cidadãos, estimulando a consciência crítica, o pensamento livre e possibilitando aos estudantes condições de pleitearem colocações no mercado de trabalho que os permitam viver com dignidade. São estas as atribuições de um professor. Como um egresso de escola pública, oriundo de uma família desprovida de escolarização e de grandes perspectivas de mudança social, a formação educacional me possibilitou ascensão social e conseqüentemente também da minha família. Assim, acredito que como educador, não obstante todos os problemas da educação pública, posso contribuir para que filhos de famílias pobres como eu tenham acesso à cidadania, ao nível superior, bem como possibilitem melhores condições de vida às suas famílias e, sobretudo, posso também incentivá-los a se interessarem pelos destinos do país, participando como sujeitos políticos em suas localidades.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

“SERMÃO” POR OCASIÃO DA MORTE DE GILMAR

Para este sermão não seguirei as prescrições homiléticas. Não observarei a tese, a ICT, os objetivos básicos, nem os objetivos específicos. Não seguirei um método. Isso porque diante da morte não se faz discursos, nem dissertações. Não se diz verdades e muito menos palavras persuasivas e eloqüentes. Perante a morte - suprema identidade humana que nos faz irmãos e companheiros de uma mesma estrada – apenas se expressa suspiros, orações, sentimentos profundos, ou melhor, tenta-se precariamente expressar o emudecimento que brota das profundezas do coração, por isso as pessoas sabiamente dizem “não tenho palavras.

Os “suspiros” que ora apresento se relacionam com a recente experiência que tive diante da morte de Gil (Gilmar dos Santos Andrade), um amigo/irmão de infância, companheiro de travessuras, brincadeiras, diversões, aprendizados, viagens, trabalhos, e tantos outras coisas que fizeram parte da infância pobre, porém feliz, que tivemos no entorno da igreja, dos cultos, dos embaixadores do rei, da Bíblia e de algumas poucas paixões platônicas, típicas da adolescência. Gilmar faleceu em um acidente de trânsito em 28/11/2008, aos 25 anos.

Um escritor chamado Rubem Alves nos conta sobre um amigo que ele nunca conhecera, senão por cartas, Ladon Sheats, era um bem sucedido executivo da IBM que ao ler um dos livros do Rubem passou a avaliar o modo como estava vivendo e percebeu que ser executivo da IBM não era uma razão para viver. Demitiu-se e juntou-se a um grupo de pacifistas que se dedicavam a fazer uma coisa muito simples: invadiam os lugares onde se encontravam mísseis nucleares e simplesmente se assentavam, pacificamente. E acontecia o que eles sabiam que iria acontecer. Eram presos. [Isso aconteceu nos anos da Guerra Fria].

O Ladon quando não estava preso, gostava de ir para as montanhas para ouvir o barulho do vento, o pio das aves, os uivos dos animais, ele entendia o conselho de Jesus no Sermão do Monte: olhava as aves do céu e os lírios do campo...

Depois de muito tempo sem contato, Rubem soube que Ladon estava sofrendo de graves doenças e que os médicos haviam lhe dado apenas de três a nove meses de vida. Soube também que Ladon havia tomado a corajosa decisão de viver cada dia intensamente, ao invés de optar pela sobrevida prolongada oferecida pelo aparato médico-científico. Para ele a melhor terapia é gozar a vida, o amor, a oração, a música, o riso e comida saudável. Ladon pediu apenas para que Rubem se lembrasse dele em seus pensamentos e orações.

Então Rubem escreveu uma última carta para Ladon, admirado e feliz com a decisão corajosa que o amigo tomara em viver o resto da sua vida da maneira mais livre possível. A vida é preciosa e deve ser bebida até a sua última gota, disse Rubem. Disse também na carta que possuía um lugar nas montanhas. Lá há riachinhos, cachoeiras, árvores, pássaros de todos os tipos, de tucanos a beija-flores e borboletas... Lá de cima ele vê o horizonte ao longe. Lá há também um jardim encantado, onde ele planta árvores para seus amigos que morreram. Ele disse que já plantara a sua árvore. Disse também que plantou com muita dificuldade uma árvore originária do Canadá que parecia estar se dando bem ao clima das montanhas de Minas Gerais. A essa árvore deu o nome de Ladon Sheats. Assim, quando alguém perguntasse pelas razões daquele nome ele contaria a história do amigo... E deste modo, as pessoas saberão que há, nesse mundo, pessoas bonitas que tornam a vida digna de ser vivida...

Diferentemente de Ladon que morreu com idade avançada, Gil morreu com apenas 25 anos. Porém, assim como Ladon, Gil viveu a sua vida corajosamente, tentando ser o mais livre possível. Gil viveu como uma águia. Não tinha medo do perigo, amava as grandes alturas. Sentia-se renascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. Tal qual uma criança não se acomodava à monotonia, mas buscava cada vez mais conhecer novos mundos, partir em direção a novos rumos e descobertas. Para a maioria das pessoas em nosso tempo, a sua grande preocupação é ampliar a sua longevidade sem, no entanto, refletir muito sobre como estão caminhando pela estrada da existência. O sábio do livro do Eclesiastes dizia que “gerações vem, gerações vão, mas a terra permanece a mesma”(Eclesiastes 1:4); “já não há lembranças das gerações passadas, nem haverá lembranças das gerações futuras entre os que virão depois delas” (Eclesiastes 1:11). Depois de refletir bastante sobre a vida e a existência ele concluiu: “o bom e agradável na vida é comer e beber, desfrutar o resultado de todo o seu duro trabalho debaixo do sol todos os dias da vida que Deus lhe deu. Essa é a sua recompensa.” (Eclesiastes 5:18)

Gilmar foi alguém que viveu cada momento da sua vida intensamente. Desfrutou cada segundo. Gilmar teve um verdadeiro caso de amor com a vida! Ele amava viver!

Diz ainda o sábio das escrituras que “para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs.

Entretanto, diante da certeza da finitude brota em nós o relutante sonho da eternidade. A esperança de vencer a morte de alguma forma. Mas, o que é o eterno? Para os poetas: Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas é vivido com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata. Assim, se nascemos condenados a viver uma só vez, então devemos dar a cada instante o valor de uma eternidade. Nos ensinam ainda estes místicos a ver um mundo num grão de areia, e um céu numa flor silvestre, ter o infinito na palma da mão, e a eternidade numa hora.

A partir de agora, a vida de Gilmar não será mais só dele, mas eterniza-se na memória e na vida de todos nós que tivemos a graça e a benção de conviver com ele nestes seus preciosos 25 anos. Ficam as lembranças das pequenas e grandes coisas que nos trazem enormes ensinamentos: aquele jeito tranqüilo e discreto, pouco falante, porém extremamente atento e observador; o largo e gracioso sorriso no rosto que muitas vezes interrompia o seu silêncio observador; as tarefas ao pé do fogão que ele fazia desde pequeno com Daniel e Gilberto quando Chico e Mima saiam pra trabalhar; as inesquecíveis viagens da embaixada, cheias de aventura e muitas alegrias, prenúncio de viagens maiores e mais livres que vieram na juventude; as conquistas... foram tantas que seria difícil dar um palpite sobre qual o alegrou mais; as tantas amizades, Gil tinha talento para fazê-las, nem é preciso falar muito diante de todo público que aqui demonstra a sua gratidão pela experiência de conviver com ele; tudo isso sem falar nas andanças freqüentes à praça Rui Barbosa. Como dizia Adélia Prado: O que a memória amou fica eterno! Portanto eternizados estão diversos momentos que vivemos com Gil e se tornaram mui preciosos para todos nós.

Fica também o seu legado, ensinamento encarnado de quem amou viver, desfrutou a liberdade e não se intimidou frente ao perigo.

Agora, só resta agradecer! Agradecer a Deus, supremo doador de toda a vida por ter nos agraciado com Gilmar nestes poucos e frutíferos anos. E, além disso, tentar aprender com Gilmar, refletir sobre sua vida, reconhecer seus erros e inspirar-se em suas virtudes. Plantemos em nossos corações árvores para Gilmar, para que as pessoas saibam que ele foi uma das pessoas que tornaram a vida incrivelmente bela.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

PREGADOR: "O CANAL DA PALAVRA DE DEUS"

O pregador, enquanto mediador da mensagem divina, ocupa lugar fundamental na pregação. Ele é reconhecido pelos ouvintes como o “canal da Palavra de Deus”, aquele que entrega o “recado de Deus” para os fiéis. A ideologia do “Ungido de Deus” camufla o sujeito histórico, suas visões de mundo, seus preconceitos e seus interesses nem sempre divinos, desvinculando-o da mensagem pregada.

Os próprios pregadores se compreendem como mediadores especiais e legítimos da mais pura e verdadeira palavra de Deus. Jerry Stanley Key, famoso pastor batista e professor de homilética diz pretensiosamente: “A nós, filhos de Deus, cabe o glorioso privilégio de sermos porta-vozes da palavra que dá vida”.

Entre os católicos também não é diferente, Leonardo Boff denunciou em Igreja Carisma e Poder que a autoridade religiosa se considera como a principal, se não a exclusiva, portadora da revelação de Deus ao mundo, com a missão de proclamá-la, explaná-la, mantê-la sempre intacta e pura e defendê-la. Guardadas as diferenças entre os cristianismos protestante e católico, não vemos motivos para não associar esta postura das autoridades católicas às praticadas pelos líderes das tradições protestantes, como deixa ver a declaração do pastor Stanley Key.

Parece que o princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, pressuposto basilar da reforma, segundo o qual todos os crentes estão capacitados para, auxiliados pelo Espírito Santo, lerem e interpretarem a Bíblia, anda bastante desbotado nas igrejas protestantes, que preferem revigorar discursos e atitudes sacerdotais.

Boff observa habilmente que “esta compreensão da revelação divina como comunicação de verdade carrega consigo imediatamente uma conseqüência grave para o problema dos direitos humanos: a intolerância e o dogmatismo. Quem é portador da verdade absoluta [...] não pode tolerar outra verdade”. Aqueles que pretendem possuir a verdade redundam em intransigência e absolutismo.

As intolerâncias em geral e, em particular a intolerância religiosa, já se exasperaram suficientemente para percebermos que não podemos mais ambicionar a propagação de uma verdade única.

Enquanto o pregador continuar falando de um lugar praticamente inalcançável aos crentes, como se ele se transformasse em um ser semi-divino quando sobe ao púlpito, não será possível o desenvolvimento de cristãos autônomos, capazes de dialogar criticamente com o sermão exposto.

As asneiras políticas que protestantes e católicos têm difundido através das redes sociais na internet mostraram, mais uma vez, a alienação religiosa e o espírito de rebanho que submete a grande massa de evangélicos do Brasil.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Amar é ter um pássaro pousado no dedo"

Eu amo tudo o que foi, tudo o que já não é, a dor que já não me dói, o ontem que a dor deixou, o que deixou alegria, só porque foi, e voou, e hoje é já outro dia. E nesse novo dia, que marca o desfecho de mais um ano de namoro, sinto que já somos outros, não vivemos mais as belezas, os encantos, nem as dores e os sofrimentos de antes. Experimentamos novos sentimentos. A cada tempo morre o amor antigo para dar lugar ao florescimento de um novo amor. Então, passamos a compartilhar novas vivências, novas incertezas e, principalmente, novas esperanças. E tudo isso significa que estamos vivos, pois tudo quanto vive muda, refaz-se, recria-se.

Quanto ao que fora vivido, torna-se símbolo de saudade que nós interiorizamos antropofagicamente - como na ceia - quando percebemos o que de você há em mim e o que de mim existe em você. Símbolos sagrados e verdadeiros rituais celebram nossa história: os cheiros, os lugares, as roupas, os presentes, as comidas, as bebidas, as cartas e, sobretudo, as declarações - verdadeiras explosões de sentimentos e desejos em palavras. São todas partes de nós, ajudaram a construir o nosso ser e, independente do que esteja por vir, jamais serão esquecidos.

Agora, descortinam-se diante de nós novos momentos, novos desafios e novas dúvidas. E este novo relacionamento traz consigo suas próprias delícias e prazeres, como também suas preocupações e desventuras.

Porém, o nosso encontro prolonga-se, renova-se, fertilizado pela esperança, filha de uma profunda fé na vida, nos amantes, e no próprio amor!

Obrigado Binha, você me fez e me faz viver tudo isso!

Seu amante.

20/11/2009

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"Tudo quanto vive, vive porque muda"

Fui formado numa tradição protestante, na igreja aprendi que deveria ser sempre firme e constante, estar certo das coisas e saber as verdades, pois a palavra do crente é sempre sim, sim e não, não. Deus me foi apresentado como um ser cristalizado, petrificado pelas tantas formulações doutrinárias herdadas dos Pais da Igreja, dos reformadores e da ortodoxia protestante. O longo cozimento da história permitiu que o protestantismo engaiolasse um ídolo, achando que teria enclausurado o único Deus verdadeiro.
Enquanto a eterna novidade do mundo acontecia, eu tentava "morrer para o mundo" e me adaptar aos rígidos e disciplinados hábitos de uma vida puritana.
Porém, a vida sempre teimosa, à revelia dos meus esforços, me levava a caminhar por estradas sinuosas, a andar em pisos disformes e movediços, me apresentava bifurcações e ruas sem saídas, obrigando-me a procurar respostas que os manuais de educação religiosa não previam.
Fui percebendo que com a ação do sol, da chuva e do vento, o traçado deixado pelos ancestrais protestantes ia desaparecendo. O tempo se encarregava de modificar a paisagem e os mapas prontos já não orientavam a caminhada.
De repente meu mundo foi se ampliando, as experiências de trabalho e estudo, as leituras (agora muito mais diversas), as conversas com velhos e novos amigos, começaram a me mostrar que além do certo e verdadeiro existia o belo, o prazeroso, as sensações e sentimentos (protestante histórico não sente, pensa. Sentir é coisa de pentecostal).
Decidi, então, que agora queria ver tudo quanto Deus criara. Senti-me como Pessoa, "renascido a cada momento para a eterna novidade do mundo". Há tanto o que ver, tantas músicas para ouvir, livros para ler, pessoas a conhecer, lugares a visitar. Um absurdo uma vida só para tudo isso. Concordo com Manoel de Barros, deveríamos ter pelo menos duas vidas, uma para ensaiar e outra para viver. Tudo bem, me conformo com uns cem anos...
Como não vou escrever minha vida toda num único post, termino este dizendo que continuo protestante, profundamente religioso. Mas, não preciso mais exaurir todas as dúvidas, nem saber as verdades sobre Deus. Fico satisfeito em repousar nos seus braços, ser alimentado por sua esperança e viver a presença e a promessa do seu Reino com irmãos e irmãs de todos os jeitos e lugares.