quinta-feira, 7 de outubro de 2010

“SERMÃO” POR OCASIÃO DA MORTE DE GILMAR

Para este sermão não seguirei as prescrições homiléticas. Não observarei a tese, a ICT, os objetivos básicos, nem os objetivos específicos. Não seguirei um método. Isso porque diante da morte não se faz discursos, nem dissertações. Não se diz verdades e muito menos palavras persuasivas e eloqüentes. Perante a morte - suprema identidade humana que nos faz irmãos e companheiros de uma mesma estrada – apenas se expressa suspiros, orações, sentimentos profundos, ou melhor, tenta-se precariamente expressar o emudecimento que brota das profundezas do coração, por isso as pessoas sabiamente dizem “não tenho palavras.

Os “suspiros” que ora apresento se relacionam com a recente experiência que tive diante da morte de Gil (Gilmar dos Santos Andrade), um amigo/irmão de infância, companheiro de travessuras, brincadeiras, diversões, aprendizados, viagens, trabalhos, e tantos outras coisas que fizeram parte da infância pobre, porém feliz, que tivemos no entorno da igreja, dos cultos, dos embaixadores do rei, da Bíblia e de algumas poucas paixões platônicas, típicas da adolescência. Gilmar faleceu em um acidente de trânsito em 28/11/2008, aos 25 anos.

Um escritor chamado Rubem Alves nos conta sobre um amigo que ele nunca conhecera, senão por cartas, Ladon Sheats, era um bem sucedido executivo da IBM que ao ler um dos livros do Rubem passou a avaliar o modo como estava vivendo e percebeu que ser executivo da IBM não era uma razão para viver. Demitiu-se e juntou-se a um grupo de pacifistas que se dedicavam a fazer uma coisa muito simples: invadiam os lugares onde se encontravam mísseis nucleares e simplesmente se assentavam, pacificamente. E acontecia o que eles sabiam que iria acontecer. Eram presos. [Isso aconteceu nos anos da Guerra Fria].

O Ladon quando não estava preso, gostava de ir para as montanhas para ouvir o barulho do vento, o pio das aves, os uivos dos animais, ele entendia o conselho de Jesus no Sermão do Monte: olhava as aves do céu e os lírios do campo...

Depois de muito tempo sem contato, Rubem soube que Ladon estava sofrendo de graves doenças e que os médicos haviam lhe dado apenas de três a nove meses de vida. Soube também que Ladon havia tomado a corajosa decisão de viver cada dia intensamente, ao invés de optar pela sobrevida prolongada oferecida pelo aparato médico-científico. Para ele a melhor terapia é gozar a vida, o amor, a oração, a música, o riso e comida saudável. Ladon pediu apenas para que Rubem se lembrasse dele em seus pensamentos e orações.

Então Rubem escreveu uma última carta para Ladon, admirado e feliz com a decisão corajosa que o amigo tomara em viver o resto da sua vida da maneira mais livre possível. A vida é preciosa e deve ser bebida até a sua última gota, disse Rubem. Disse também na carta que possuía um lugar nas montanhas. Lá há riachinhos, cachoeiras, árvores, pássaros de todos os tipos, de tucanos a beija-flores e borboletas... Lá de cima ele vê o horizonte ao longe. Lá há também um jardim encantado, onde ele planta árvores para seus amigos que morreram. Ele disse que já plantara a sua árvore. Disse também que plantou com muita dificuldade uma árvore originária do Canadá que parecia estar se dando bem ao clima das montanhas de Minas Gerais. A essa árvore deu o nome de Ladon Sheats. Assim, quando alguém perguntasse pelas razões daquele nome ele contaria a história do amigo... E deste modo, as pessoas saberão que há, nesse mundo, pessoas bonitas que tornam a vida digna de ser vivida...

Diferentemente de Ladon que morreu com idade avançada, Gil morreu com apenas 25 anos. Porém, assim como Ladon, Gil viveu a sua vida corajosamente, tentando ser o mais livre possível. Gil viveu como uma águia. Não tinha medo do perigo, amava as grandes alturas. Sentia-se renascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. Tal qual uma criança não se acomodava à monotonia, mas buscava cada vez mais conhecer novos mundos, partir em direção a novos rumos e descobertas. Para a maioria das pessoas em nosso tempo, a sua grande preocupação é ampliar a sua longevidade sem, no entanto, refletir muito sobre como estão caminhando pela estrada da existência. O sábio do livro do Eclesiastes dizia que “gerações vem, gerações vão, mas a terra permanece a mesma”(Eclesiastes 1:4); “já não há lembranças das gerações passadas, nem haverá lembranças das gerações futuras entre os que virão depois delas” (Eclesiastes 1:11). Depois de refletir bastante sobre a vida e a existência ele concluiu: “o bom e agradável na vida é comer e beber, desfrutar o resultado de todo o seu duro trabalho debaixo do sol todos os dias da vida que Deus lhe deu. Essa é a sua recompensa.” (Eclesiastes 5:18)

Gilmar foi alguém que viveu cada momento da sua vida intensamente. Desfrutou cada segundo. Gilmar teve um verdadeiro caso de amor com a vida! Ele amava viver!

Diz ainda o sábio das escrituras que “para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs.

Entretanto, diante da certeza da finitude brota em nós o relutante sonho da eternidade. A esperança de vencer a morte de alguma forma. Mas, o que é o eterno? Para os poetas: Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas é vivido com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata. Assim, se nascemos condenados a viver uma só vez, então devemos dar a cada instante o valor de uma eternidade. Nos ensinam ainda estes místicos a ver um mundo num grão de areia, e um céu numa flor silvestre, ter o infinito na palma da mão, e a eternidade numa hora.

A partir de agora, a vida de Gilmar não será mais só dele, mas eterniza-se na memória e na vida de todos nós que tivemos a graça e a benção de conviver com ele nestes seus preciosos 25 anos. Ficam as lembranças das pequenas e grandes coisas que nos trazem enormes ensinamentos: aquele jeito tranqüilo e discreto, pouco falante, porém extremamente atento e observador; o largo e gracioso sorriso no rosto que muitas vezes interrompia o seu silêncio observador; as tarefas ao pé do fogão que ele fazia desde pequeno com Daniel e Gilberto quando Chico e Mima saiam pra trabalhar; as inesquecíveis viagens da embaixada, cheias de aventura e muitas alegrias, prenúncio de viagens maiores e mais livres que vieram na juventude; as conquistas... foram tantas que seria difícil dar um palpite sobre qual o alegrou mais; as tantas amizades, Gil tinha talento para fazê-las, nem é preciso falar muito diante de todo público que aqui demonstra a sua gratidão pela experiência de conviver com ele; tudo isso sem falar nas andanças freqüentes à praça Rui Barbosa. Como dizia Adélia Prado: O que a memória amou fica eterno! Portanto eternizados estão diversos momentos que vivemos com Gil e se tornaram mui preciosos para todos nós.

Fica também o seu legado, ensinamento encarnado de quem amou viver, desfrutou a liberdade e não se intimidou frente ao perigo.

Agora, só resta agradecer! Agradecer a Deus, supremo doador de toda a vida por ter nos agraciado com Gilmar nestes poucos e frutíferos anos. E, além disso, tentar aprender com Gilmar, refletir sobre sua vida, reconhecer seus erros e inspirar-se em suas virtudes. Plantemos em nossos corações árvores para Gilmar, para que as pessoas saibam que ele foi uma das pessoas que tornaram a vida incrivelmente bela.

Um comentário:

  1. ô Mê...me lembro da primeira vez q li esse texto [sermão]...na aula de homilética, quando vc ia entregar ao professor...me lembro quando aconteceu o acidente do seu amigo, e mesmo sem conhecê-lo, senti uma coisa estranha...com certeza por suas palavras...é um texto lindoooo...que mostra o quanto esse rapaz era amado pelos seus...suas palavras sobre a finitude da vida, e da esperança de vencer a morte me fizeram encher os olhos de lágrimas naquele dia...e hj relendo o texto me fez chorar de novoo...o seu sentimento está nesse texto de uma forma tão linda, tão leve...
    obrigado por ter postado o texto aqui...eu tinha vontade de lê-lo novamente...
    bj.

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